AUTORES
Maxwell Sandeer Flor. Graduado em Educação Física pela UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense.
Paulo Rômulo de Oliveira Frota. Doutor em Educação e professor do PPGE/Mestrado da UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense.
As danças urbanas apresentam um caráter plural e propõem como forma a mistura de gêneros e famílias que tecem o mundo da linguagem artística da dança. Esta investigação coloca práticas pedagógicas de coreógrafos que trabalham com o Grupo União Dança de Rua da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, desde 2007. Neste período foi analisado o material audiovisual do grupo em quatro edições do evento “Unesc em Dança” e do resultado técnico retirado em relatório anual (2007 a 2010), arquivos registrados no Setor Arte e Cultura da UNESC. Especificamente neste estudo, objetivou-se compreender durante esta trajetória cultural as metodologias de ensino aplicadas pelos coreógrafos do grupo. Neste artigo encontraremos recortes de algumas teorias de Skinner e Vygotsky, conhecendo partes de suas pesquisas, concepções e representações. Acreditamos que nenhum movimento é singular, nenhuma técnica é isolada e nenhum ensino é estático. Procuramos refletir as práticas e fazeres de três coreógrafos com as pesquisas teóricas de Skinner e Vygotsky, provocando um diálogo entre dança, educação e danças urbanas.
Palavras-chave: dança; educação; danças urbanas.
INTRODUÇÃO
Metaforicamente falando, o edifício da educação tem vários andares e salas de conhecimentos. Convidamos a subir as escadas para o “X” andar, para a sala “X”, a sala com a placa: Ensino da Dança.
Falar de ensino da dança nos remete a algumas reflexões. Vamos voltar ao tempo quando a técnica do ballet iniciou sua codificação e profissionalização no século XV a partir da criação da Academia Real de Dança, em 1661. (CAMINADA, 1999).
No Brasil ainda não possuímos uma metodologia própria de formação em dança clássica, sendo que o método russo em nosso país é um caminho. A Escola do Teatro Bolshoi é uma extensão desta metodologia. Balanchine, bailarino russo, criou sua escola norte-americana. Esta extensão russa talvez seja uma estratégia para a perpetuação deste método de ensino. (FARACO, 2009).
Atualmente nas danças urbanas não se fala em “metodologias”. Neste ano, 2011, o Festival de Dança de Joinville mudou o gênero: de dança de rua para danças urbanas. Sendo assim, estamos no processo de codificação, assim como o ballet passou no século XV.
Para aguçar nossos questionamentos colocamos alguns pontos a serem discutidos: existem teorias/métodos adequados para ensinar dança? O que (e como) o corpo aprende? Tenho que compreender esse(s) aprendizado(s)? O corpo aprende ou acumula informações de técnicas? Essas são algumas perguntas que muitos professores e coreógrafos fazem a si mesmos e que, na maioria das vezes, não encontram uma resposta.
Neste estudo, dialogaremos os “fazeres da dança” com duas teorias de aprendizagem descritas e pesquisadas por Skinner e Vygotsky, as quais vêm de encontro com estes questionamentos. Não cabe neste artigo respondê-las, mas sim, provocar reflexões para tecer com o dia-a-dia no ensino da dança.
Para continuar nosso ponto de partida, é necessário dizer que todo o texto tem um passado. As palavras têm uma história, no sentido de partilha. Vamos cortar e costurar textos de pesquisadores da dança e teóricos da aprendizagem, confeccionando uma “colcha de retalhos” com “fazeres” de coreógrafos que integram o Grupo União Dança de Rua da UNESC.
Esta pesquisa trata-se de um material em processo de estudo, e recusamo-nos a falar com precisão e certeza das ideias de Skinner e Vygotsky, aconselhando ao leitor uma pesquisa profunda para dissecar os contextos de suas teorias.
DESENVOLVIMENTO
História e Concepção das Danças Urbanas
Para estabelecer como surgiram as danças urbanas é preciso resgatar as primeiras manifestações que ocorreram no final da década de 60, sendo que a dança funk é o “carro-chefe” de todas as linguagens que permeiam as danças urbanas. A influência do funk foi um marco referencial para novos gêneros desta dança. (FLOR, 2006).
Segundo o curso de street dance ministrado por Frank Ejara no Festival de Dança de Joinville (2005), as danças sociais do funk são: good foot, funk robot, rock steady, funk pinguim e funk chicken.
Na dança de salão existem seus gêneros e famílias, por exemplo: o “samba” é um dos gêneros da dança de salão e o “miudinho” é uma das famílias do samba. Nas danças urbanas têm-se a mesma estrutura o “hip hop dance” é um dos gêneros das danças urbanas e o “woblee” é uma das famílias do hip hop dance, todas estas pluralidades tecem as diversas leituras corporais desta dança. A música good foot de James Brown se transformou em uma nomenclatura da dança social, hoje fundamento do funk. Este mesmo movimento influenciou os b-boys e b-girls a criarem o top rock que é a (preparação), fundamento básico para a dança breaking. (FLOR, 2006).
A dança “breaking” é a denominação correta para esta dança que surgiu entre 75 e 76 no bairro Bronx em Nova Yorque. O termo “break” é a quebra da música que os DJs tocavam nas block parties (festas de rua) que tinham como fonte o soul, funk, jazz e músicas latinas.(EJARA & SÔ, 2000).
Esta dança possui muitas variações relacionadas aos fundamentos, envolvendo sempre a combinação de movimentos. Todas essas ações corporais executadas pelos b-boys na dança breaking possuem um objetivo teórico para se chegar ao universo desta dança.
Ejara & Sô (2000, p. 7) complementam:
Antes de 75, o funk já era muito dançado nos clubes e nas ruas, o b-boy é uma evolução disso, pois é um funk mais radical, que usa o chão como apoio para seus passos, pois o freeze (congelamento) já era usado nos passos do funk, às vezes no alto e muitas vezes no chão. A criatividade natural destes garotos fez com que o funk virasse breaking.
O hip hop dance é outro gênero das danças urbanas, segundo Edson Luciano Gonzaga (Guiú), ministrante do curso do “I Summer Hip Hop School”, realizado em fevereiro de 2006 em Itajaí/SC. Esta dança tem como precursores Hery Link e Buddha Strecht por volta de 1984. (FLOR, 2006).
Assim, buscamos evidenciar nestes dois gêneros das danças urbanas o breaking e o hip hop dance, que são as danças mais utilizadas com o grupo pesquisado, distinguindo suas concepções e histórias. Podemos compreender de como pode o “corpo” aprender/ensinar estas técnicas de dança.
Práticas coreográficas: dialogando com a teoria vygotskyana
Para dialogar sobre práticas coreográficas, vamos falar do Grupo União Dança de Rua da UNESC que iniciou sua trajetória cultural em 1999 por meio de um projeto-piloto da Diretoria de Extensão da UNESC. O grupo completou doze anos de existência com a proposta de proporcionar aos bailarinos e acadêmicos uma melhor qualidade de vida artístico-cultural, além de edificar um grupo de dança na universidade. Uma das metas é incentivar novos bailarinos/coreógrafos a criarem seus grupos, multiplicando e fortalecendo o gênero das danças urbanas na comunidade regional. Um exemplo é a bailarina Paula Gregório Gonçalves que constituiu seu grupo na ONG Multiplicando Talentos – Criciúma/SC.
O grupo é mantido pelo Setor Arte e Cultura da UNESC. Em sua trajetória somam 654 apresentações artístico-culturais em festivais de danças, aberturas de jogos e outras apresentações públicas. O projeto é gratuito para participantes da comunidade externa sendo que os acadêmicos recebem percentual de bolsa dos cursos de graduação da UNESC.
Iniciando com a prática coreográfica nos anos de 2007/2008, o Grupo União Dança de Rua da UNESC passou por uma adaptação de coreógrafo, o bailarino Raffa Man (Rafael Pinheiro) passou de bailarino/ensaiador para bailarino/coreógrafo, mudança que acarretou em posições sociais no grupo. Porém, não é foco deste trabalho discutir as mudanças sociais e/ou comportamentais do grupo, mas de efetivar as práticas de ensino no grupo formado por bailarinos universitários e bailarinos da comunidade que compõe o grupo.
Neste período, Rafael Pinheiro trabalhou as técnicas das “danças urbanas”, fundamentando por meio de aulas básicas dos gêneros: popping, locking e o hip hop dance. A troca de professor sempre é respondida de diferentes comportamentos dos alunos, independentemente de qualquer área de ensino. Em particular nesse caso, os bailarinos do Grupo União Dança de Rua da UNESC responderam aos gestos pedagógicos de maneira gradativa: o bailarino/coreógrafo, maduro em sua prática corporal, direcionou sua atividade para a técnica, dentro dos fundamentos do hip hop dance.
Conhecer os fundamentos das danças urbanas é certamente conhecer sua história e sua concepção. Tudo isso requer a prática da técnica e a todo o método de aplicação desta “técnica” surge diferentes respostas aos bailarinos.
A modelagem é uma técnica muito mais ampla do que a diferenciação de respostas. Em um procedimento de modelagem podem estar incluídos vários exemplos isolados de diferenciação de respostas. Sob certas condições, onde é aplicado o método de aproximações sucessivas, ele pode consistir de uma série de diferenciações de respostas sucessivas. (MOREIRA, 1985, p. 14).
Em 2009/2010, o grupo vivenciou um processo coreográfico com o paulista Roger Niggax (Rogério de Paula), estabelecendo uma mudança de característica de aula, focada em treinamento específico de técnica de hip hop dance. As aulas eram conduzidas periodicamente de quatro em quatro meses, totalizando vinte horas/aula por período, objetivando a técnica das danças sociais do hip hop dance e os drops (quedas).
As aulas eram filmadas para compreender melhor os movimentos do coreógrafo. Salientando o uso deste instrumento tem-se uma ligação de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. O instrumento é um elemento entre o bailarino e o objeto da sua dança, agindo como o elemento externo, enquanto o signo age como um instrumento da atividade psicológica do indivíduo, orientados para dentro do bailarino. (OLIVEIRA, 2003).
Depois da prática, análise do material audiovisual e novamente a prática mediada pelo bailarino/ensaiador Rafael Pinheiro, surge uma nova mudança de função, com a responsabilidade de “limpar” as coreografias, passando cada fundamento que constituía um conjunto de movimentos. Nossa estratégia de constituir um corpo que dança perfeitamente a técnica do hip hop dance se tornou um abismo de incomunicabilidade corporal.
Os bailarinos não tinham estrutura para os movimentos, então, rompemos com alguns “oitos” para adaptar a coreografia. A técnica é semelhante à de Vygotsky, em se retratando com o estímulo o “coreógrafo/mediador”.
Nossa intenção é re-pensar nossa prática. Se pensarmos, praticamos. Não poderia ser diferente o quanto somos responsáveis por nossa própria reflexão/prática.
Partindo destas discussões Vygotsky (2004) com o conceito de zona de desenvolvimento potencial ou proximal (ZDP) apresenta uma perspectiva inovadora, constituindo-se como agregadora de varios elementos da teoría histórico-cultural ao relacionar na proposta de desenvolvimento mediado, baseados em estratégias de ensino da dança o “re-pensar” é fundamental para mudanças metodológicas.
No nosso entender, a teoría de Vygotsky da ZDP seria a distância entre o que o bailarino faz sozinho e aquilo que ele poderá fazer com a ajuda de outro bailarino ou coreógrafo. A mudança de estratégia de ensino e o processo de interação dos alunos/bailarinos na realização de tarefas e condutas, apontam para uma construção de subjetividade na disputa, reprodução e negociação de papéis.
Atualmente, o Grupo União Dança de Rua da UNESC está com uma nova linha de trabalho. O coreógrafo (Vovô) Uanderson de Oliveira, de Pelotas/RS, migrando sua metodologia “Uantap” que mescla a linguagem da capoeira, danças africanas e danças urbanas dialoga com a teoria de Skinner - retratando especificamente de repetição - resultou em um trabalho de curto prazo, ganhando tempo nas etapas de limpeza e concepção coreográfica.
Em busca no aspecto criatividade, não cabe o presente texto fundamentar os conceitos corpóreos abordados nos processos criativos. Retratamos como o bailarino organiza de maneira eficiente o contexto das sequências coreográficas o que representa uma criação do coreógrafo. Esse conjunto de movimentos é uma proposta fundada em uma produção do professor/coreógrafo de passos sistematizados a serem reproduzidos pelos bailarinos.
No processo de reprodução das reações, VYGOTSKY (2004, p. 200) coloca que existem dois tipos de reprodução dentro da psicologia tradicional: “Imaginação reprodutiva: abrange todos os casos em que as reações reproduzem o que efetivamente ocorre com o organismo; Imaginação construtiva: reproduz certa forma de experiência não vivenciada em realidade.”
Entretanto, esse critério deve ser considerado absolutamente equivocado pelas seguintes considerações:
- Não se verifica uma diferença essencial entre fantasia e memorização, as imagem da fantasia podem e devem estar voltadas para a realidade;
- Não existe nenhuma reprodução exata da experiência passada, a reprodução sempre significa certa elaboração do percebido e, consequentemente, certa deformação da realidade. (VYGOTSKY, 2004).
Invertendo esse equívoco para o ensino da dança, retratamos que apesar de todos os esforços dos bailarinos de reproduzirem a técnica perfeita do movimento da coreografia, jamais será igual/idêntico à da execução do coreógrafo criador. Devemos considerar também que a execução de movimentos pré-fantasiados não é uma reprodução exclusivamente “precisa” em sua execução na realidade. Salientando que não devemos descartar essa esfera de treinamento para chegar ao próximo da técnica proposta pelas danças urbanas e/ou das coreografias produzidas pelo coreógrafo.
Em base desta estruturação em “reprodução de movimento”, ao qual apresentamos a base da teoria de Vygotsky, acreditamos na interpretação pessoal e criativa, seja a partir da apropriação e a incorporação como experiência de conceitos de consciência corporal ou até mesmo como identificação pessoal com os movimentos do coreógrafo. Não podemos descartar o bailarino que tem o corpo com o conhecimento das técnicas das “danças urbanas” que gera uma facilidade em pressentir e compreender as informações com mais clareza, gerando uma fruição na proposta da coreografia. “O corpo com conhecimento é um corpo disponível para a ação. A articulação desse conhecimento gera revolução.” (MUNDIM, 2009, p. 121).
Teoria de Vygotsky: repetição como exercícios para memorização na dança
Em tempos de “dança criativa” seria um erro indiscutível defender a bandeira da reprodução e repetição da dança. Mas o que é ser criativo? E o que adianta ter criatividade se não se possui autonomia? O trabalho coreográfico é um processo de criação e reprodução, qual é a estratégia para eficácia da memorização de movimentos?
Ressaltamos como exemplo neste processo o Grupo União Dança de Rua da UNESC, que passou por várias alterações de coreógrafos. Durante o período de três anos os bailarinos vivenciaram diferentes características e estratégias de ensino de três coreógrafos: Rafael Pinheiro, Rogério de Paula e Uanderson de Oliveira. Lembrando que o grupo sempre tratou não como problema, mas como um meio de estímulo, apesar das relações mutáveis, os bailarinos receberam como novas possibilidades de aprendizagem.
“O exercício é uma certa modalidade da memória. Durante o exercício não se trata de preservar certas impressões mas de atenuar todo o sentido da atividade, em termos metafóricos de trilhar o caminho.” (VYGOTSKY, 2004, p. 366).
O ensino-aprendizagem de uma coreografia passa por processos de repetição, mesmo no caso da “dança criativa” os códigos corporais estão enraizados nos corpos dos bailarinos, e a repetição dos movimentos sempre acaba acontecendo.
Estudos mostram que os exercícios desenvolvem-se gradativamente, aperfeiçoando-se aos poucos. Nesse sentido, Vygotsky (2004, p. 366) diz que “a parte principal de qualquer educação consiste em fazer o sistema nervoso o nosso aliado e não nosso inimigo.” Tornar os movimentos da dança como hábito, ou seja, dançar como estivesse caminhando e “fazer” desta ação dispensando esforços, é uma maneira das atividades intelectuais superiores ter liberdade para chegar à consciência corporal.
Estudos puramente fisiológicos já mostraram a grande importância que têm a repetição de movimentos e a exaustão a eles relacionados para o normal desenrolar do nosso comportamento. Ocorre que a repetição está ligada à ação principal do mecanismo nervoso, ao lado da força relativa das estimulações concorrentes e do colorido afetivo nos reflexos, agindo de dupla forma. (VYGOTSKY, 2004, p. 369).
Ressaltamos que todo o cuidado da “repetição” é necessário, quando se trata de prevenções de lesões. A pesquisa realizada em 2007 com o Grupo União Dança de Rua da UNESC, no Trabalho de Conclusão de Curso do curso de graduação em Educação Física/UNESC, a acadêmica Ana Elisa Vieiraconcluiu em relação à “repetição de movimentos” e funcionamento fisiológico que:
1- Existe o desconhecimento por parte de alguns integrantes e a falta de preocupação por parte de outros em relação ao cuidado do corpo na execução dos movimentos; 2- Muitos integrantes durante os ensaios procuram realizar os movimentos com a máxima amplitude articular para melhorar cada vez mais o desempenho e por sucessivas repetições acabam ocasionando lesões; 3- O piso não está adequado aos ensaios da dança de rua, devido a características de movimentos que a mesma exige, necessitando ser um piso que permita um amortecimento dos movimentos no solo. (VIEIRA, 2007, p. 45).
As repetições de movimentos podem chegar a lesões, porém podem chegar também com muita eficácia à consciência corporal. O que queremos “amarrar” neste contexto é que existem “riscos” para se chegar à excelência de um bom bailarino. Os exercícios de repetição são eficientes no quesito técnica, sendo que o estímulo pode vir de duas maneiras: do professor/coreógrafo ou do aluno/bailarino. Há outro problema que deve ser analisado em grupos, escolas ou instituições que trabalham com dança: qual é o principal objetivo? Estudo, pesquisa e extensão; educação do sujeito; formação de grupo; oficina para iniciantes; apresentações artísticas ou montagem e circulação de espetáculo.
Teoria de Skinner: estímulo e resposta nas danças urbanas
O presente texto pretende apenas dar uma visão geral da abordagem skinneriana à teoria S - R (estímulo-resposta) e suas aplicações para o ensino aprendizagem na dança.
Essa abordagem representa provavelmente a mais completa sistematização do posicionamento associacionista, behaviorista e ambientalista da psicologia atual. Devido a sua preocupação com controles científicos estritos, Skinner realizou a maioria de seus experimentos com animais. O êxito levou-o a fazer estrapolações para o comportamento humano. (MOREIRA, 1985, p. 10).
Na verdade, Skinner não se considera um teórico da aprendizagem. Ele não considera seu trabalho como uma teoria, e sim uma análise funcional, isso é, uma análise das reações funcionais entre estímulo e resposta.
O que podemos verificar na prática das danças urbanas é que para tudo existe um “estímulo” nesta dança. Então, perguntamos: o bailarino dança por que gosta de participar socialmente de um grupo de dança ou gosta de competir em festivais de dança? Quer elevar seu nível técnico de dança ou gosta de sentir e experimentar a dança?
Voltando à abordagem skinneriana, o ensino se dá apenas no que precisa ser ensinado, podendo ser colocado sob controle de certas contingências de reforço. O papel do professor/coreógrafo neste processo instrucional é o arranjar as contingências de reforço de modo a possibilitar ou aumentar a probabilidade de que o aluno/bailarino faça o comportamento terminal. (MOREIRA, 1985).
Nesta perspectiva colocamos outra reflexão: qual é o resultado esperado pelo professor/coreógrafo? Uma possível resposta: que o aluno/bailarino execute e interprete a sua coreografia com a máxima precisão de reprodução de movimentos.
Caberá à tarefa do professor/coreógrafo criar estratégias para estimular os alunos/bailarinos a interpretarem suas coreografias. Criar um “reforço” no momento apropriado significa reforçar respostas que provavelmente levarão ao aluno/bailarino a exibir comportamento terminal desejado. Repetição de movimentos em etapas de aprendizagem é eficiente no desenvolvimento motor de cada indivíduo. No momento apropriado cabe ao professor/coreógrafo perceber até aonde pode chegar a suas repetições para não lesionar ou deixar sua aula exaustiva.
De acordo com Moreira:
Apesar da inegável influência da abordagem skinneriana nas práticas instrucionais contemporâneas, ela está, ao que parece, sendo criticada cada vez mais com ênfase. Há os que opõem a sua orientação comportamentalista que considera o homem como um organismo passivo governado por estímulos externos ambientais, por adotarem uma orientação fenomenológica que considera o homem a fonte de todos os atos e, essencialmente, livre para fazer escolhas em cada situação. (MOREIRA, 1985, p. 19).
Skinner, ao falar dos aspectos do comportamento e examinando o caráter cultural, coloca o seguinte:
O nível geral de interesses dos membros do grupo, suas motivações e disposições emocionais, seus repertórios comportamentais, e à medida que praticam o autocontrole e o autoconhecimento, tudo isso é relevante para a força do grupo como um todo. Além disso, a cultura tem um efeito indireto sobre outros fatores. (SKINNER, 1998, p. 468).
Voltando ao questionamento e repetimos resumidamente, por que os bailarinos dançam? A resposta é única e ao mesmo tempo plural: depende da satisfação nesta arte da dança. Sua motivação vem de encontro com muitos comportamentos, a exemplo dos coreógrafos Rafael Pinheiro e Uanderson de Oliveira que no “passado” suas insatisfações técnicas das danças urbanas foram o principal fator de motivação.
Teoria do reforço: abordagem skinneriana na dança
Recompensas e punições desempenham um papel importante na vida diária. As pessoas tendem a se comportar de modo a obterem recompensas e a evitar punições. (MOREIRA, 1985). Vamos exemplificar esta reflexão com a escola: o aluno tira notas “boas”, sua recompensa é passar de fase; o aluno tira notas “ruins”, sua punição é repetir de fase. Em muitos casos, as ações das pessoas são contínuas ou aumentadas pelas sequências dos efeitos que produzem no indivíduo. Exemplificando na dança: o bailarino não executa corretamente a coreografia, sua punição é dançar atrás do grupo; o bailarino continua “errando” a coreografia, sua punição é dançar atrás do grupo, tirar de um determinado bloco coreográfico ou simplesmente não dançar a coreografia.
Nestes exemplos ficou claro que em certos aspectos o “reforço” é uma seleção natural da teoria da evolução. Skinner coloca uma terceira espécie de seleção que se aplica às práticas culturais.
O grupo adota um dado procedimento – um costume, um uso, um instrumento controlador – seja planejadamente ou através de algum evento. Como característica do ambiente social essa prática pode afetar o sucesso do grupo na competição com outros grupos ou com o ambiente não-social. As práticas não-culturais que são vantajosas tenderão a ser características dos grupos que sobrevivem e que, portanto, perpetuam essas práticas. Portanto, pode-se dizer que algumas práticas culturais têm um valor de sobrevivência, enquanto outras são letais [...] (SKINNER, 2004, p. 468).
Neste sentido, o uso de um “instrumento controlador” voltado à prática da dança favorece o desempenho técnico de bailarinos. Situando a nova experiência estética do Grupo União Dança de Rua da UNESC, que seu objetivo - instrumento controlador - é vencer o Festival de Dança de Joinville/2012, motiva os bailarinos no desempenho na aquisição da técnica e execução da proposta coreográfica.
Essa prática cultural de participar de um evento competitivo, como ressalta o texto de Skinner, “pode ser letal”. Primeiro passo: o grupo foi selecionado para competir - cria-se o reforço. Segundo passo: o grupo competiu e perdeu o festival - cria-se a decepção, que pode fomentar uma extinção do grupo.
Na prática educativa, o grupo se esforçou um ano inteiro para participar da competição – Festival de Dança de Joinville: foram inúmeros reforços para chegar ao resultado final. O grupo, nesta ocasião vence, o professor/coreógrafo cria uma nova ênfase à aquisição de novos comportamentos em lugar da manutenção do trabalho coreográfico. Os reforçadores que poderão ser usados sugerem novos eventos competitivos, novas coreografias e novos trabalhos, criando ações como: treino, exercícios e prática.
Skinner ressalta sobre a prática do exercício da seguinte forma:
Não cabe ver o exercício como uma simples memória. O exercício cria antes uma predisposição para a melhor realização de alguma ação. Para verificar a capacidade do exercício, costuma-se propor a soma de número simples [...] Isso revela ainda mais claro quando compararmos a produtividade inicial dos diferentes dias que sucedem uns aos outros. Essa elevação da produtividade ocorre sob a influência do exercício, que, como se sabe, atenua e acelera todas as modalidades do trabalho e do mental. (SKINNER, 2004, p. 366).
Estudos puramente fisiológicos já mostraram a grande importância que têm a repetição de movimentos e a exaustão a eles relacionada para o normal desenrolar do nosso comportamento. Ocorre que essa repetição está ligada à ação do principal mecanismo do aperfeiçoamento da técnica. Klauss Vianna (1991) contribui imensamente na definição da técnica enquanto a organização de um conhecimento a respeito do corpo na dança, sendo que tal técnica tem que possuir significação para quem executa, possibilitando compreender e reconhecer, dentro das técnicas acadêmicas ou cênicas, referindo-se às regras de movimentação espacial e gestual no seio das academias.
A improvisação é importante para a educação formal, mas o que “tem” o dançarino “sem” o código corporal da técnica. A técnica é aperfeiçoada por meio do treinamento de repetição e ponto. Segundo o jornalista Marcelo Avellar, é preciso “pensar a dança de rua como fato folclórico”, sendo caracterizado pela funcionalidade, autenticidade e pureza (GUARATO, 2008, p. 36). Finalizando esse assunto, acreditamos que a proposta de criação e improvisação é um instrumento de liberdade e criatividade, mas toda a arte tem sua essência e a toda essência existe significação.
Dançando e dialogando entre as representações de Skinner e Vygotsky
Iniciaremos o diálogo a partir de um conceito central de compreensão das concepções vygotskyanas sobre o funcionamento psicológico. Este conceito é a “mediação”. Mediação é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento. (OLIVEIRA, 1997).
Quando o bailarino dança com uma força exagerada poderá ocorrer uma dor no joelho, rapidamente o bailarino diminui a intensidade do movimento. Ficou estabelecida uma ligação direta da força exagerada com a “dor”. Em outro momento, quando o bailarino se deparar com esse movimento exagerado, lembrar-se-á da experiência da “dor”. Se, em outro caso, o bailarino não usar força exagerada, quando o professor/coreógrafo disser que poderá sentir “dor” no joelho, a relação estará mediada pela intervenção desse professor/coreógrafo.
Oliveira (2003 apud VYGOTSKY, 1984, p. 45) diz que [...] o processo simples estímulo-resposta é substituído por um ato completo, mediado, que representa da seguinte forma:
No exemplo acima, o estímulo (S) seria a “dor” e a resposta (R) seria o ato de diminuir a intensidade do movimento. A lembrança da “dor” ou o aviso do professor/coreógrafo é o elemento mediador (X), intermediário entre o estímulo e resposta.
Vygotsky trabalha, então, com a noção de que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas, fundamentalmente, uma relação mediada. (OLIVEIRA, 2003 apud VYGOTSKY, 1984, p. 45).
Para o segundo diálogo, ressaltaremos a abordagem skinneriana. Neste contexto o papel do professor/coreógrafo é o de arranjar “reforço” de modo a possibilitar ou aumentar a probabilidade de que o bailarino execute a coreografia, isto é, que ele dê a resposta desejada. O objetivo do professor/coreógrafo é fazer com que o bailarino faça uma sequência de drops (quedas), o reforço é: quem executar melhor essa sequência será o solista deste bloco coreográfico. O bailarino se sentirá motivado em executar vinte ou mais vezes este movimento por ensaio até chegar ao próximo da perfeição. “Para que ocorra diferenciação de respostas, o comportamento a ser diferenciado deve estar ocorrendo pelo menos com uma frequência mínima. A simples diferenciação de respostas não pode produzir novas respostas; para isso, deve ser usada a modelagem.” (MOREIRA, 1985, p. 14).
A modelagem é a continuação do processo de ensino: o bailarino aprendeu a executar a sequencia do drop (queda), o bailarino garantiu sua vaga de solista. Para continuar sendo o solista, deverá executar com precisão cinco vezes consecutivas esta sequência, ou perderá a vaga como solista. Ou seja, depois que o objetivo foi atingido, o reforço precisa ser aplicado à outra resposta, cujo condicionamento aproxima-se da coreografia determinada pelo professor/coreógrafo.
Moreira (1985) coloca que o condicionar uma resposta na presença de um estímulo e extingui-la na presença de outra, o que pode ser chamado de “discriminação”. Os componentes mínimos para estabelecer uma discriminação são: um SD, um S🔺 e uma resposta. Pode-se representar uma “discriminação” da seguinte forma:
No exemplo acima, a letra “S” – representa o estímulo reforçador, no caso a possibilidade do bailarino ser o solista da sequência do drop (queda). A letra “R” – representa a resposta (ato comportamental), no caso o bailarino ser o solista. As letras SD – representam o estímulo discriminativo (está associado ao reforçamento). Para continuar ser o solista deverá executar a sequência de drop (queda) cinco vezes. E o S🔺 (S delta) – é o estímulo ao qual não está associado o reforçamento. (MOREIRA, 1985).Dialogando com as duas teorias, sabemos que devemos sempre trabalhar com estímulos e provocar a “sede” na aprendizagem de nossos alunos e/ou bailarinos. Fornecer diferentes fontes de água é a difícil tarefa do professor e/ou coreógrafo no processo de estímulo e resposta - ensino e aprendizagem.
CONCLUSÃO
Podemos concluir que os professores/coreógrafos devem criar formas para fornecer estímulos aos seus alunos/bailarinos, em apresentações, eventos, solistas de coreografias e etc. Ações para proporcionar a adaptação à necessidade do objetivo do grupo, ou como Skinner coloca “programar contingências” significando dar reforço no momento apropriado.
O ensino da dança-educação deve ser introduzido com certos limites, equilibrando e, principalmente, combinando com duas linhas da educação estética: a própria criação do indivíduo e a cultura das suas percepções artísticas.
Já esclarecemos que a produção não existe sem a reprodução, e a criação de cada aluno/bailarino fica entre possibilidades e realizações. Assim, a identidade do aluno/bailarino entre o ato da reprodução do movimento criado pelo professor/coreógrafo é a percepção e vivência da dança em cada corpo do aluno/bailarino. Como explica Vygotsky, ser “Vovô” e interpretar “Vovô” são fenômenos infinitamente diferentes pelo grau de identidade de natureza. (VYGOTSKY, 2004).
As análises dos três coreógrafos pesquisados, a partir dos diálogos estabelecidos no artigo, dão conta da utilização de diferentes estratégias de mediação, as quais implicam na zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Desta forma, compreendida como espaço simbólico de construção. Todas as maneiras de ensinar envolveu o direcionamento de funções: bailarinos, coreógrafos, ensaiador e profesor/coreógrafo, aprendizagem sobre negociações de papéis e processos comunicativos são elementos fundamentais para repensar as práticas pedagógicas e o papel do profesor/coreógrafo.
Mencionamos que a estratégia de ensino do coreógrafo (Vovô) Uanderson de Oliveira dialoga com as teorias de Skinner e Vygotsky, retratando especificamente de repetição e mediação, uma combinação que até o presente momento está resultando em um método eficaz na prática do Grupo União Dança de Rua da UNESC.
Este ensaio não poderá acabar sem mais uma provocação. O que é mais importante: criar um grupo técnico ou criar um grupo de formação? Caberá ao professor/coreógrafo situar a direção deste grupo, utilizando diversas teorias para ir além da técnica pela técnica e trilhar pelo caminho do criar, recriar e perceber.
REFERÊNCIAS
CAMINADA, Eliana. História da Dança – evolução cultural. Rio de Janeiro: Sprint, 1999.
EJARA, F.; Sô, E. Dança de rua original. Apostila discípulos do ritmo. Festival de Dança de Joinville, 2000.
FARACO, Fabiana. Metodologia Vaganova: desvendando e Escola Russa. Seminários de Dança: o que quer e o que pode (ess)a técnica? (p. 129-134) Joinville: Letradágua, 2009.
FLOR, Michel. Street Dance e suas pluralidades. 2006. 61f. Trabalho de Graduação (Disciplina de Metodologia Científica) – Curso de Educação Física, UNESC – Universidade do extremo sul Catarinense, Criciúma, 2006.
GUARATO, Rafael. Dança de Rua: corpos para além do movimento (Uberlândia – 1970-2007) Uberlândia: EDUFU, 2008.
MUNDIM, Ana Carolina. Conversa sobre o bailarino contemporâneo e sua preparação técnica-criativa. Seminários de Dança: o que quer e o que pode (ess)a técnica? (p. 117-122) Joinville: Letradágua, 2009.
MOREIRA, Marco Antonio. Ensino e Aprendizagem: enfoques teóricos. São Paulo: Editora Moraes, 1985.
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Artigo Publicado no V CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE e da primeira JORNADA DE CRIATIVIDADE E INOVAÇÃO - JUNHO/2011